Meu testamento
Caros amigos e familiares,
Hoje, dia 14 de julho de dois mil e vinte dois, tive um
grande pensamento durante o banho. Mais um, entre tantos que ao longo dos meus
18 anos vieram, nesse momento especial, de acachapante clareza – a ducha. Um
momento onde a água, cientificamente tida como condutora de energia, dança pelo
corpo, levando as energias conflitantes e alinhando as que se desencontram.
Parece-me que o universo beneficia os limpos. E fui beneficiado!
Tudo começou quando olhei pro meu chinelo da havaianas,
branco com a bandeirinha do Brasil, e pensei: que dádiva, que design especial,
que alegria para nós brasileiros é esse chinelo. Tá que é um país escravagista,
politicamente falido, cansativo e patriarcal. Mas a gente tem a havaianas
branca com a bandeirinha do brasil... Quem precisa de democracia? Enfim, de
volta ao que contava, após olhar pra ela eu pensei “isso é não é apenas uma
chinela, é uma peça”. Uma parte crucial de mim, o máximo símbolo da minha
nacionalidade e identidade brasileira. Com ela dancei sambas, com ela fui
comprar pão francês, com ela eu pus meus pés no chão. E se eu morresse? O que
seria desta pobre chinela?
Foi então que mais distante fui, e se eu morresse, o que
seria de tudo que é meu? Dos meus trecos e das minhas tralhas? É presunção de
mais achar que vamos ficar aqui pra sempre. Enquanto vivo eu quero viver e
viver do jeito certo, estreitando a morte de longe, enquanto danço. Memento
mori, eles dizem, correto? E que jeito mais atual de lidar com a morte, falando
sobre o que se fazer com os bens materiais que adquiri em vida? Quão
capitalismo pós-moderno é isso, han? Porque esperar a velhice? Porque pra uns
bens se faz inventário e outros não? Eu quero poder doar até as borrachinhas do
meu aparelho! Sendo assim, segue abaixo o meu inventário! Os meus itens! E seus
respectivos donos, na minha indescritível falta.
Minhas cobertas – coloquem fogo, nunca amei elas! Exceto
pela manta verde, pois ela foi por algum tempo a capa que vesti enquanto andava
pela casa, sentindo a realeza ancestral existente nas minhas veias.
Minhas toalhas – eram esfregadas no meu corpo todo dia,
doem as mulheres e aos gays!
Minha revista pornô da Regininha Poltergeist – peço que
rasguem, e doem a metade a minha mãe, quem eu acredito precisar ler e além
disso, um pouco da coragem da Regininha Poltergeist. E a outra metade doem a
minha amiga Alice Dias.
Meu celular – Um dia eu fui o jovem criativo que não tinha
instrumentos pra se expressar. Portanto, doem ao meu irmão mais novo Lucas,
quero alguém criativo, irreverente e com ideias frescas possuindo um iphone
bão. Quero instrumentalizar um jovem pensante.
Minha escrivaninha – Foi montada por mim, cada prego eu que
pus. Ao mesmo tempo que semeio um ódio dela, por suas falhas e erros (eu que
montei), eu a amo por ser minha primeira escultura. Meu Davi. Deve ser lembrada
como tal, entretanto caso eu morra, deixo que quem quiser a destrua por inteiro
e faça ela virar destroços. És uma escrivaninha disfuncional e se eu não merecer
mais a vida, suponho que ela tampouco.
Mini saia + cueca da miu miu – Doem a minha amiga, acácia
rufatto, ela havia me pedido em vida, mas até então não emprestei por ser um
tanto egoísta.
Cueca da Tom Ford – me enterrem com ela, quero estar sexy
quando eu conhecer Deus.
Meus livros – doem pra Aymée Alves, eu vejo tanto potencial
e talento com as palavras nela.
Minhas revistas da Playboy – deixo todas pra minha amiga
mais bagaceira e depravada, Alice Dias.
Minhas tabi boots – doem pra o brechó da Ana, que fica na
cavalhada, eu ia amar ver a minha Maison Margiela ganhando novos contornos e
histórias na mão de um qualquer.
Meu perfume – doem pro Tokyo Anjos, ele é um homem muito
cheiroso, o perfume dele me dava tanto tesão e com certeza ele me inspirou em
comprar um perfume tão sensual e libidinoso! Seria cíclico e orgânico da minha
parte.
Meu espelho – nele me vi, refletido e girado. Nunca me
contou a verdade, nunca me disse como eu realmente era. Me pergunto se o que
fazia era excesso de amizade ou perversidade, talvez ambos. Talvez risse me
abraçando. Destrocem ele até ser de novo areia, que vire muitos de si e depois,
vire nada.
Minhas plantas - Todas devem ir para a casa da Aline, Gustavo e Maitê. Quero que minha sobrinha cresça rodeada de plantas, que quando eu não estiver mais lá, as plantas vivam cuidando dela por mim.
Minha peruca preta de franja - Doar para minha tia, Tânia Mara Bicca, a eterna india potira.
Minha jaqueta de couro - Doar ao Mateus, ele ficaria demasiado gostoso usando ela.
Minha bolsa rosa da nintendo - Essa vai para minha amiga Manu Messias, pelos anos bons que vivi ao seu lado durante o ensino médio. A vadia tinha problemas mentais que nem eu e amava essa bolsa.
GRANDISSÍSSIMA OBSERVAÇÃO: Esta lista é contínua e nunca para. Se lembro de algo, coloco. Portanto, não pense que ela está morta. Ganhará novos contornos a cada aquisição, se moverá comigo e crescerá ao meu lado até o dia de minha morte.
me sinto lislonjeada, mas acho que morro antes de ti
ResponderExcluirNão precisaria dos livros pois cada palavra aqui dita não se compara às tantas coisas que já li.
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